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Existe o transe hipnótico?

Para respondermos esta questão, a primeira coisa a ser questionada é “o que é o transe”?

De uma forma resumida, a maioria das definições descreve o transe como “um estado alterado de consciência”: “alterado”, para diferenciar do “estado ordinário de consciência”.

Estados alterados de consciência (EAC) ou estados não ordinários de consciência (ENOC) são estados de consciência diferentes do estado normal de vigília.

O termo foi cunhado por Arnold M. Ludwig em 1966 e popularizado por Charles Tart em 1969, para descrever mudanças quase sempre temporárias no estados de consciência comum dos indivíduos.

Exemplos estudados por cientistas como Michael Wilkelman e Graham Hancock indicam que certas experiências sobrenaturais são naturais para os seres humanos como o contato com seres divinos em diversas religiões. Elas fazem parte do funcionamento normal do cérebro humano, apenas variando conforme as tendências pessoais e culturais dos indivíduos. David Lewis-Williams, em seus livros The Mind in the Cave e Inside The Neolithic Mind, relata uma série de pesquisas laboratoriais com o uso de psicoativos e de práticas meditativas, religiosas e xamânicas, sendo que os resultados despertaram os cientistas para o conceito de estados alterados de consciência.

Estado alterado de consciência” é um estado mental induzido por agentes farmacológicos, fisiológicos ou psicológicos que deriva de um estado normal/comum da consciência. Certos comportamentos anormais e apáticos observáveis apresentam características de estados alterados de consciência. Estados alterados de consciência também podem estar associados à criatividade artística ou a diferentes níveis de concentração. Eles ainda podem ser compartilhados entre os indivíduos e estudados em pesquisas sociológicas.

Os estados alterados de consciência podem ser causados tanto por fatores acidentais ou patológicos quanto por fatores intencionais (recreação, meditação, hipnose, escuta de ondas bineurais, etc.). Podem ser causados por drogas psicoativas ou por intoxicação, de maneira acidental, patológica ou intencional. Em algumas ocasiões, dois ou mais fatores podem levar a estados alterados de consciência como transtornos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas. Emoções provocadas por vários estímulos também podem levar a comportamentos que alteram o estado de consciência.

Principais causas dos estados alterados de consciência:

Causas acidentais e patológicas: referem-se a eventos despropositais e a doenças: incluem experiências traumáticas, epilepsia, falta de oxigênio, infecções, privação de sono, jejum e psicoses.

Causas intencionais: referem-se a eventos propositais como privação sensorial, tanque de isolamento, sonhos lúcidos, hipnose, meditação, dança e uso de drogas psicoativas. Drogas psicoativas (cannabis, ecstasy, opiáceos, cocaína, LSD e álcool.

Pela Wikipedia, o transe “é um estado alterado de consciência, um dos objetivos a serem atingidos pela hipnose. Trata-se de um estado de consciência onde podem ocorrer diversos eventos neuro-fisiológicos (anestesia, hipermnésia, amnésia, alucinações perceptivas, hiper sugestionabilidade, etc). O transe em seu significado moderno vem de um significado anterior de “uma condição atordoada, semiconsciente ou insensível ou estado de medo”, através do “transe” francês antigo “medo do mal”, do latim transīre “cruzar”, “passar por cima”. Em hipnose o transe pode ser classificado basicamente em leve, médio e profundo [sonambúlico]. Sendo que os dois primeiros são de principal interesse das psicoterapias e o último bastante utilizado por odontólogos (dentistas). É possível também atingir esse estado alterado de consciência através de substâncias psicoativas, tais como cannabis, ácido lisérgico (LSD) e cogumelos psicodélicos. Outro método para atingir o transe é escutando determinadas músicas e frequências, as quais possuem batidas graves e repetitivas como no estilo eletrônico “trance ”.”

Agora podemos voltar à pergunta se “existe o transe hipnótico” e a resposta é não! A Hipnose é apenas mais uma das técnicas que têm a intenção de alterar o estado de consciência de uma pessoa, tirando-a do estado mental comum para um estado diferenciado.

Assim, podemos dividir o transe pelos seus processos causais:

  1. Transe hipnótico: alteração da consciência induzida pela Hipnose.
  2. Transe histérico: alteração da consciência causada por uma crise nervosa que envolve manifestações corporais, sem comprometimento das funções orgânicas.
  3. Transe místico: estado de êxtase místico.
  4. Transe psicodélico: estado alterado obtido por alucinógenos.
  5. Transe fisiológico: alteração da consciência causada por traumas e doenças.

Mas não existe um “transe hipnótico”: existe apenas um estado de transe causado pela hipnose!

E o que é consciência? Os seres humanos têm 10 FUNÇÕES MENTAIS, sendo uma delas a “consciência”: 1•Consciência 2•Atenção 3•Sensopercepção 4•Orientação 5•Memória 6•Inteligência 7•Afetividade 8•Pensamento 9• Conduta 10•Linguagem.

O estado mental que diferencia o ser humano dos animais é o seu grau de “consciência” e representa “a capacidade do indivíduo se dar conta do que está ocorrendo dentro e fora de si mesmo”, sendo um processo psíquico integrador de todos os outros mecanismos mentais – é um complexo processo psíquico que integra em uma imagem unitária todo o conteúdo psicológico de um instante”. [Sá Jr., Luiz Salvador de Miranda. Fundamentos de Psicopatologia]

Aqui é importante dizer que os “estados” alterados de consciência não devem ser confundidos com os “níveis” alterados de consciência. Denomina-se “lucidez de consciência” ao grau de maior ou menor clareza da imagem subjetiva. Neurologicamente, é o Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA) quem responde pela variação fisiológica dos “níveis de consciência”, que podem ser classificados em seis graus fisiológicos: 1. “Extrema vigilância”; 2. “Vigilância atenta”; 3. “Devaneio” ou “consciência relaxada”; 4. “Sonolência” ou ‘Estado hipnagógico’ (ao adormecer) e ‘hipnopômpico’ (ao despertar) – aqui são frequentes as “ilusões”; 5. “Sonho superficial” e 6. “Inconsciência” ou “Sono profundo”.

É um fato curioso que os cursos de Hipnose citem o SARA para explicar o fenômeno hipnótico! E também citam alguns ‘níveis de consciência’ como sendo ‘estados hipnóticos’, tais como: não perceber a trajetória do carro ao dirigir, se envolver emocionalmente em um filme ou não ver o tempo passar quando está concentrado ou distraído… Nestas situações estamos em diferentes ‘níveis de consciência’, mas não em diferentes ‘estados de transe’.

Uma das funções mentais mais exploradas na Hipnose, em especial a hipnose de palco e de ‘street’ (hipnose de rua) é a “Sensopercepção”, que inclui as seguintes variantes: Ilusão; Alucinação; Pseudoalucinação; Alucinose; e as relativas à modalidade ou sistema sensorial: auditiva, visual, olfativa, gustativa, tátil, cinestésica, cenestésica e psíquicas negativas.

Além dela, também é muito explorada a Memória em suas diversas manifestações: memórias imediata, recente e remota; dismnésias; amnésias (eletivas, psicogênicas, de identidade, anterógrada, lacunar, seletiva, etc.); hipermnésias; ilusões e alucinações da memória; pseudologia fantástica; dejà vu; etc.

E também a Afetividade: Afeto, emoções e sentimentos. Suas variáveis podem ser, por exemplo: eutimia, euforia, depressão, labilidade afetiva, ansiedade, embotamento, ambivalência, inadequação, neotimia, frieza  afetiva, indiferença, irritabilidade patológica, puerilismo , sugestibilidade, incontinência emocional, anedonia, disforia, tenacidade,  despersonalização e desrealização.

E as variáveis da função Pensamento: pensamento lógico e pensamento mágico, inibição e aceleração do pensamento, fuga de ideias, prolixidade, desagregação e incoerência, interceptação ou bloqueio. Quanto ao conteúdo, as manifestações do pensamento podem incluir: ideias deliróides, ideias delirantes e delírios, ideias obsessivas e fobias, hipocondríaca, melancólica, desvalia, grandeza, religiosa, erótica e invenção, entre outras.

E os distúrbios da Psicomotricidade? Temos como exemplo o aumento da atividade motora: hiperatividade (inquietação a excitação psico-motora) e a diminuição da atividade motora: hipoatividade (mímica, gesto, discurso); além do estupor: ausência total de atividade; conduta oposicionista: negativismo passivo ou ativo; tiques:  movimento involuntário; catalepsia ou flexibilidade cérea possibilidade de assumir posição corporal incômoda, mantendo-a por longo tempo; Catatonismo; Estereotipia; Parapraxia; Maneirismo; Ecopraxia; etc.

Ou seja, resumindo tudo isso: 1. Não existe um “estado hipnótico”, nem um “transe hipnótico”; o que existe são “funções mentais” saudáveis e patológicas . 2. A hipnose é apenas uma das técnicas que pode ser utilizada para mudar o estado comum de consciência de uma pessoa para um estado alterado de consciência. 3. Em função disso se emocionar, “mergulhar” em um filme ou jogo, alucinar, ter distorções sensoriais, perder a memória, ter um delírio místico ou ficar catatônico, por exemplo, não são “estados ou transes hipnóticos”, mas estados que podem ser produzidos e sustentados com o uso da Hipnose, assim como por alterações fisiológicas e pela esquizofrenia, plantas alucinógenas ou transes místicos, entre outros.

Paulo Maciel

11/10/2021