Estamos todos vivendo um momento muito difícil no Brasil e no mundo, com 2 anos da pandemia da Covid-19, causada pelo famigerado vírus SARS-Cov-2.
No primeiro ano tínhamos apenas o isolamento social como forma de controlar a disseminação do vírus, além dos usos da máscara, do álcool gel e da água com sabão!
Já neste segundo ano que está terminando surgiram as vacinas experimentais e o mundo começou a ser vacinado com a primeira e a segunda dose e agora a terceira e até uma possível quarta dose, que provavelmente se torne o novo normal para toda a Humanidade!
Neste ínterim tivemos grandes embates políticos e científicos em relação ao chamado “tratamento precoce”, que iniciou com a dupla “Hidroxicloroquina + Azitromicina” e depois outras drogas foram surgindo como possíveis tratamentos para a Covid-19, tais como: Ivermetctina, Nitazoxanida, Zinco, Colchicina, Atazanavir, Ritonavir, Remdesivir, Lopinavir, Kaletra, Fingolimod, Bevacizumabe, entre outros.
Como o mundo está politicamente polarizado, todos os tratamentos preferidos pelos Conservadores foram mundialmente atacados, negados e até proibidos. São famosos os embates que Trump e Bolsonaro tiveram com o restante do mundo. Passamos a ouvir diariamente o bordão: “remédico sem eficácia comprovada contra a Covid-19”. Em 23/03/2021 a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou um boletim dizendo: “Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida.”
Apesar disso, muitos médicos no mundo continuaram usando estes protocolos, principalmente aqui no Brasil os chamados “Médicos pela vida” e as principais redes sociais passaram a bloquear seus vídeos, entrevistas e lives sobre os “tratamentos precoces”.
Em meio a tudo isso começaram a surgir teorias da conspiração em todo o mundo, com temas como a Nova Ordem Mundial, Grafeno nas vacinas, interferência da telefonia 5G, RNAm gerando doenças como câncer, doenças autoimunes, infartos e coagulopatias, entre outras. As vacinas infantis há muitos anos vêm sendo relacionadas com a origem do Autismo e existem grupos mundiais que resistem às suas aplicações.
Outro grupo entrou pela ideia de que estamos em pleno Apocalipse com a pandemia representando o primeiro cavaleiro do apocalipse, o cavalo branco da peste.
Na época da gripe suína, ou H1N1, surgiu a proposta de tratamento alternativo com o chá do Anis Estrelado, que possuiria o ácido xiquímico, material de partida para síntese do Oseltamivir, medicamento conhecido comercialmente como Tamiflu e muito usado nas gripes do tipo A e B. Na época, a orientação que se passava era a seguinte: “Para fazer o seu chá, é necessário realizar a infusão de uma colher de anis-estrelado e adicioná-la a um litro de água. Espere levantar fervura e desligue o fogo logo após. Abafe a mistura por dez minutos e beba. Lembre-se de que para melhor efeito é interessante que se tome de duas a três xícaras ao dia.”
Mas se olharmos as duas moléculas, do Ácido xiquímico e do Oseltamivir, podemos ver facilmente que o chá não terá o mesmo efeito da droga industrializada:
Portanto, o chá do Anis Estrelado não terá o mesmo efeito do Tamiflu, mas poderá auxiliar em casos de cólicas, gastrites, enterites, gases, espasmos gastrintestinais, tosse, bronquite, como efeito calmante e expectorante.
Na indústria farmacêutica, o ácido xiquímico do anis estrelado chinês (Illicium verum) é usado como material de base para a produção do Oseltamivir (Tamiflu). Embora o ácido xiquímico esteja presente na maioria dos organismos autotróficos, é um intermediário biossintético e geralmente encontrado em concentrações muito baixas. O baixo rendimento do isolamento do ácido xiquímico do anis estrelado chinês foi o responsável pela escassez de oseltamivir em 2005. O ácido xiquímico também pode ser extraído das sementes da goma-doce (Liquidambar styraciflua), que é abundante na América do Norte, com rendimentos em torno de 1,5%. Por exemplo, 4 kg de sementes de goma-doce são necessários para quatorze pacotes de Tamiflu. Por comparação, relatou-se que o anis estrelado produz ácido xiquímico de 3% a 7%. As vias biossintéticas em E. coli foram recentemente aprimoradas para permitir que o organismo acumule material suficiente para ser usado comercialmente. Um estudo de 2010 divulgado pela University of Maine mostrou que o ácido xiquímico também pode ser facilmente colhido das agulhas de várias espécies de pinheiros [1] como o pinheiro branco, pinheiro vermelho e outras coníferas [2].
Agora no caso da Covid-19 surgiu um assunto parecido, com o chá das agulhas do pinheiro, que conteria a molécula Suramina! Fui investigar se isso tem algum fundamento e vou demonstrar agora o que eu descobri.
A primeira informação que descobri e que viralizou nas redes sociais está em um post do Facebook, cujo link vou deixar nos comentários. O texto diz:
“Um composto encontrado em agulhas de pinheiro, chamado suramina, foi identificado como um potencial antídoto para o atual contágio de proteína spike resultante do coronavírus quimérico SARS-CoV-2, e da potencial transmissão patogênica da proteína spik das vacinas experimentais de mRNA.
A suramina pode ser naturalmente obtida como um chá de agulhas de Pinheiro Branco Oriental (Pinus strobus). Entre outros constituintes benéficos das agulhas do pinheiro branco oriental estão Alfa-Pineno, Beta-Pineno , Beta-Phellandrene, D-Limoneno, Germacreno D, 3-Careno, Cariofileno, vitamina A e vitamina C. As agulhas de pinheiro branco oriental também contêm ácido xiquíimico, a mesma molécula encontrada na erva de anis estrela usada historicamente na Medicina Tradicional Chinesa para tratar pragas e doenças respiratórias.” [3]
Já vimos que o anis estrelado realmente tem o ácido xiquímico, através do qual é produzido o Oseltamivir do Tamiflu. E realmente o Pinheiro Branco possui também este ácido. O anis contém 7% de ácido xiquímico, enquanto as agulhas do Pinheiro Branco têm 3% de ácido xiquímico, suficiente para tornar sua extração comercialmente viável. O Abeto também contém o ácido e presume-se que outros pinheiros o tenham em quantidades variáveis. [4]
Mas isto não tem nada a ver com a Suramina e a Covid-19, que nem é uma gripe! A confusão destas informações chegaram a fazer crer que o anis também tinha a Suramina. Mas a história real é bem diferente disso.
A primeira informação é que a Suramina não é uma substância que se encontra na natureza: ela foi criada em laboratório pela Bayer! Esta história começou com os experimentos quimioterápicos pioneiros de Ehrlich publicados em 1904 que descreveram a eficácia de uma série de moléculas de corantes incluindo o azul e o vermelho de tripano para eliminar infecções por tripanossoma em ratos. As estruturas moleculares dos corantes forneceram um ponto de partida para a síntese da Suramina, que foi desenvolvida e usada como droga tripanocida em 1916 e ainda está em uso clínico.
Ehrlich observou em seus ensaios com camundongos, onde testou mais de 50 corantes diazo relacionados, que os camundongos tratados com vermelho de tripano mantiveram a cor vermelha por semanas e até meses. Este efeito colateral foi uma desvantagem significativa para seu uso na terapia humana, e a busca por um análogo incolor foi perseguida pelos químicos da Bayer, que sintetizou o “Bayer 205”, agora conhecido como Suramina, ainda utilizado no tratamento da tripanossomíase humana africana (doença do sono), causada pelo protista parasita Trypanosoma brucei. Usos adicionais para suramina foram explorados no tratamento de cânceres humanos e infecção por HIV, onde foi o primeiro medicamento a mostrar atividade antiviral. [5]
O próprio site de Medicina Biológica diz:
“Assim, a Suramina foi produzida pela primeira vez pelos químicos Oskar Dressel, Richard Kothe e Bernhard Heymann nos laboratórios da Bayer AG em Elberfeld após pesquisas em vários compostos semelhantes à ureia. A Bayer ainda vende a droga sob a marca Germanin, sendo que alguns nomes de marcas comumente usados são: Antrypol; Bayer 205; Belganyl; 309 F; Fourneau 309; Germanin; Moranyl; Naganin; Naganol e Nafureto.” [6]
A estrutura química da suramina foi mantida em segredo pela Bayer por razões comerciais e estratégicas, mas foi esclarecida e publicada em 1924 por Ernest Fourneau e a sua equipa no Instituto Pasteur.
Eis a molécula da Suramina, comparada com a do Corante azul:
Esta questão de relacionar a Suramina com a Covid-19 tem fundamento, já que alguns estudos identificaram o mecanismo pelo qual a Suramina inibe o SARS-CoV-2 RdRp:
“Assim, pesquisas mostram que a suramina é um inibidor viral direto e potente RdRp por inibição direta, com análise estrutural mostrando o mecanismo de ligação e inibição. Este é o primeiro inibidor não-nucleotídeo do SARS-CoV-2 RdRp, e isto indica o potencial para desenvolver análogos de suramina e formulações de drogas como inibidores potentes e eficazes da replicação viral.
Comparando o complexo RdRp-suramina com o complexo RDRp ligado ao remdesivir mostra que as duas moléculas de suramina ocupam posições específicas na cadeia RNA e na cadeia primer, bloqueando a ligação da cadeia modelo-primer duplex RNA à ativa O local da enzima. Simultaneamente, impediu a entrada de nucleotídeo trifosfato no sítio catalítico. Isto bloqueou diretamente a atividade catalítica RdRp”. [7]
Mas, concluindo, vemos que a Suramina não existe na natureza, assim como também não existe nos pinheiros em geral, nem no Pinheiro Branco, como anunciado nas mídias! Esta confusão veio de uma relação indireta e improvável, de um site de Medicina Biológica, onde se lê:
“O azul de tripano é assim chamado porque pode matar os tripanossomos, os parasitas que causam a doença do sono. O azul de tripano é derivado da toluidina, ou seja, qualquer uma das várias bases isoméricas, C14H16N2, derivada do tolueno. O azul tripano também é conhecido como azul diamina e azul Niágara. O tolueno também é um derivado do óleo de pinho. O composto foi isolado pela primeira vez em 1837 por meio de uma destilação de óleo de pinho pelo químico polonês Filip Walter, que o nomeou “Rétinnaphte”. [8]
Vamos às fórmulas citadas:
Realmente, o composto foi isolado pela primeira vez em 1837 por meio de uma destilação de óleo de pinho pelo químico polonês Filip Walter, que o nomeou Rétinnaphte. Em 1841, o químico francês Henri Étienne Sainte-Claire Deville isolou um hidrocarboneto do Bálsamo de Tolu (um extrato aromático da árvore tropical colombiana Myroxylon balsamum), que Deville reconheceu como semelhante ao Rétinnaphte de Walter e ao Benzeno; por isso ele chamou o novo hidrocarboneto de Benzoène. Em 1843, Jöns Jacob Berzelius recomendou o nome “Toluin”. Em 1850, o químico francês Auguste Cahours isolou de um destilado de madeira um hidrocarboneto que ele reconheceu como semelhante ao benzoène de Devillee que Cahours chamou de “Toluène”. [9]
O autor deste site escreve que:
“O efeito inibitório da suramina de agulhas de pinheiro na proteína spike do coronavírus, vírus Zika e Chikungunya e certos parasitas garantem uma avaliação mais aprofundada deste composto de ocorrência natural como um potencial terapêutico de amplo espectro.” [7]
Mas ele também faz um alerta quanto ao uso do chá de pinheiro:
“Fazer chá de pinheiro é fácil e requer apenas agulhas de pinheiro novas e frescas e água quente. No entanto, é imperativo escolher as agulhas de pinheiro certas, pois existem 20 variedades tóxicas conhecidas de pinheiros. O Pinus Strobus (Pinus strobus) não é tóxico e é uma excelente variedade. Evite usar essas variedades tóxicas: Ponderosa Pine, Balsam Fir, Lodgepole e Monterey Pines. Além disso, também existem algumas árvores que são comumente chamadas de “pinheiros”, mas na verdade são imitadores tóxicos, como o Teixo inglês, o Pinheiro da Ilha Norfolk e o Pinheiro de teixo. Eles nunca devem ser usados para preparar chá de agulhas de pinheiro. Novamente, a maioria dos especialistas recomenda o uso de Eastern White Pine para preparar o chá.” [7]
Agora é fácil perceber que o fato dos pinhos possuírem o Tolueno, eles nada tem a ver com a Suramina! Esta relação feita pelo autor do site é de má fé e leva ao engano dos seus leitores, o que acabou gerando esta fakenews da Suramina!
E para concluir esta reflexão, o site ustoday trouxe uma reportagem com o título “Verificação de fatos: o chá de pinho branco provavelmente não é útil contra o COVID-19” e questiona a alegação de que “o chá de pinho branco contém suramina e ácido xiquímico, que podem impedir que pessoas vacinadas com COVID-19 “liberem” a proteína do pico”. O site confirma o que foi dito antes: “Ao contrário do que afirma o post, o suramina não é de agulhas de pinheiro branco: foi criado pela farmacêutica alemã Bayer em 1904 a partir de um corante chamado azul de tripano, comumente usado em laboratórios para coloração de células.
Uma questão final ao tema, é que a Suramina como medicamento é usada apenas por via intravenosa: uma dose de teste intravenosa de 5 mg/kg (máx: 200 mg) é administrada primeiro 1 a 2 dias antes da primeira dose completa, embora a reação anafilática seja rara. O regime padrão é então de 20 mg/kg (até 1 grama) nos dias 1, 3, 7, 14 e 21. Mas o Dr. Matthew Laurens, um especialista em doenças infecciosas e pesquisador de vacinas da Escola de Medicina da Universidade de Maryland, alertou que existem efeitos colaterais graves associados à droga: toxicidade renal e hepática, reações oculares, insuficiência adrenal e reações alérgicas resultando em inflamação e anemia, para citar alguns. Ele também alertou que o ácido xiquímico por si só pode ser potencialmente cancerígeno, já que um estudo em 1972 descobriu que ratos que o receberam desenvolveram “lesões cancerosas e pré-cancerosas” no estômago e leucemia maligna, um câncer dos tecidos formadores de sangue do corpo.
As reações adversas da Suramina:
“As reações adversas mais frequentes são náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal e uma sensação de desconforto geral. Também é comum experimentar várias sensações na pele, desde rastejamento ou formigamento, sensibilidade nas palmas das mãos e nas solas dos pés e dormência nas mãos, braços, pernas ou pés. Outras reações cutâneas incluem erupção cutânea, inchaço e sensação de ardência. A suramina também pode causar perda de apetite e irritabilidade. A suramina causa alterações não prejudiciais na urina durante o uso, especificamente tornando a urina turva. Pode agravar a doença renal.
Os efeitos colaterais menos comuns incluem fadiga extrema, úlceras na boca e glândulas doloridas e sensíveis no pescoço, axilas e virilha. A suramina afeta raramente os olhos, causando lacrimejamento, inchaço ao redor dos olhos, fotofobia e alterações ou perda de visão.
Os efeitos colaterais raros incluem reações de hipersensibilidade que causam dificuldade em respirar. Outros efeitos sistêmicos raros incluem diminuição da pressão arterial, febre, aumento da frequência cardíaca e convulsões. Outros efeitos colaterais raros incluem sintomas de disfunção hepática, como sensibilidade na parte superior do abdome, icterícia nos olhos e na pele, sangramento incomum ou hematomas.
A suramina foi aplicada clinicamente em pacientes com HIV / AIDS, resultando em um número significativo de ocorrências fatais e, como resultado, a aplicação dessa molécula foi abandonada por essa condição”. [5]
Tudo isso mostra que a questão do uso da Suramina para a Covid-19 é muito limitada, assim como não é possível extraí-la simplesmente fazendo um chá das agulhas dos pinheiros. E também mostra o quanto temos que estar conscientes que muitas fakenews podem ser perigosas, mesmo sendo aparentemente benignas!
Dr. Paulo Maciel
20/12/2021
Fontes:
1 [https://en.wikipedia.org/wiki/Shikimic_acid]
2. [http://archive.boston.com/news/local/massachusetts/articles/2010/11/07/maine_pine_needles_yield_valuable_tamiflu_material/]
3. [https://www.facebook.com/CapeTownMagazine/posts/pine-needle-treea-compound-found-in-pine-needles-called-suramin-has-been-identif/10158660175276267/]
4. [pt.wikipedia.org/wiki/Ácido_xiquímico]
5. [https://en.wikipedia.org/wiki/Suramin]
6. [http://www.antimicrobe.org/drugpopup/Suramin.htm]
7. [https://www.facebook.com/CapeTownMagazine/posts/pine-needle-treea-compound-found-in-pine-needles-called-suramin-has-been-identif/10158660175276267/]
8. [https://www.biologicalmedicineinstitute.com/post/eastern-white-pine-tree-needles-a-natural-source-of-suramin]
9. [https://en.wikipedia.org/wiki/Toluene]
Outras fontes usadas:
[https://www.eattheweeds.com/tag/shikimic-acid/]
[https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3173065/]
[https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31844000/]
[https://www.usatoday.com/story/news/factcheck/2021/06/15/fact-check-white-pine-tea-likely-not-helpful-against-covid-19/7651765002/]