Conflitos de gerações?

 

A juventude de hoje e de sempre

 Quando olhamos para a juventude de hoje parece que não vemos solução para o futuro de nosso país e da humanidade. Mas este problema não é novo; basta lermos o que disseram alguns autores da antiguidade:

“O nosso mundo atingiu um estado crítico. As crianças já não dão ouvidos aos seus pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.” (Sacerdote egípcio, 2000 a.C.)

“Esta juventude está podre no fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Nunca serão como a juventude de outros tempos. Os de hoje não serão capazes de manter a nossa cultura.” (Inscrição em cerâmica encontrada nas ruínas de Babilônia, 2000 a.C.)

“Não vejo esperança para o nosso povo, se ele depender da frívola mediocridade de hoje, pois todos os jovens são indizivelmente frívolos…quando eu era menino, ensinavam-nos a ser discretos e a respeitar os mais velhos, mas os moços de hoje são excessivamente sabidos e não toleram restrições.” Hesíodo (720 a.C.)

“Aqui tens o que acontece e outros pequenos abusos como estes. O mestre receia os discípulos e lisonjeia-os, os discípulos fazem pouco-caso dos mestres e dos pedagogos. De modo geral, os jovens imitam os mais velhos e disputam com eles em palavras e ações. Os idosos, por seu lado, sujeitam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de gentileza e petulância, imitando a juventude, com medo de serem considerados enfadonhos e despóticos.” Sócrates 470-399 a.C.

Estas frases parecem completamente atuais e verdadeiras, mas além do famoso “conflito das gerações”, acredito que exista aqui um outro fator mais profundo em jogo: a nossa atual realidade social! Senão, vejamos:

Nos séculos finais do “Antigo Império”, o Egito sofreu com várias adversidades que prejudicaram diretamente a manutenção de um governo controlado sob a autoridade faraônica. A população passou a se rebelar contra o próprio Estado e os monarcas apoiaram a volta de um sistema político descentralizado. Entre os anos de 2300 e 2000 a.C. a ruína econômica e as contendas internas possibilitaram a invasão de povos provenientes da Ásia que se estabeleceram no Delta do Rio Nilo, região norte do Egito. Somente nas últimas décadas do século XXI a.C., os egípcios reassumiram o total controle do território graças à atuação militar do faraó Mentuhotep II, que também teve que enfrentar a resistência dos monarcas ao projeto de ressurgimento do Estado centralizado. Esta era a situação da época em que o sacerdote egípcio escreveu suas frases sobre o “fim do mundo”.

Em relação à Babilônia, seu início civilizacional foi marcado pelo período paleobabilónico (c. 2000 a 1595 a. C.). Em 2000 a. C. deu-se a queda da dinastia de Ur, com a invasão da Mesopotâmia pelos Amorritas. Conquistaram uma vasta série de cidades-estado, onde estabeleceram novas dinastias e foram progressivamente se adaptando à região babilónica. As guerras internas e as diversas dinastias, os habitantes anteriores e os novos emigrantes, provocaram uma considerável confusão durante este primeiro período, em que foi escrito texto babilônico.

Quanto a Hesíodo, o poeta viveu em um período de conflitos e tensões que antecederam a codificação das leis na Grécia antiga, implicado no processo de alterações econômicas e aumento demográfico no interlúdio do século XI ao VIII a.C. Hesíodo protestava contra a arbitrariedade do governo dos aristocratas, processo pareado com a restrição do poder dos aristocratas que em muitas regiões era levado a cabo pelos tiranos.  Esse baluarte contra o despotismo foi a erupção inicial na agitação política que produziu as organizadas cidades-estado.

Finalmente Sócrates e Platão viveram na época da Guerra do Peloponeso, um conflito armado entre Atenas e Esparta, que durou de 431 a 404 a.C. Sócrates foi, inclusive convocado à guerra como general, mas ao final do conflito, com a intenção de salvar os poucos soldados que estavam vivos, ele ordenou que todos voltassem rapidamente para Atenas, mas deixassem os mortos no campo de batalha – contrariando uma lei que obrigava o general a enterrar todos os seus soldados mortos, ou morrer tentando. Assim, ao chegar, ele foi preso e depois foi libertado. O declínio de Atenas marcou a ascensão de Esparta, desfazendo a unificação política do mundo grego, que foi posteriormente conquistada pelo rei macedônico Filipe II, no século IV a.C. Já a juventude de Platão transcorreu em meio a agitações políticas e a desordens devido à Guerra do Peloponeso, a instabilidade política reina na cidade de Atenas que é tomada pela Oligarquia dos Quatrocentos e assim submete-se ao governo dos Trinta Tiranos.

Resumindo, acredito que a visão que os mais velhos tinham dos seus jovens contemporâneos era causada mais pela decadência da sociedade de cada época, do que pelo conflito das gerações. Suas frases eram muito fortes, dramáticas, e denotavam a desestrutura social e a falta de perspectiva de futuro a partir daquelas gerações. Exatamente como estamos vivendo atualmente!

E, para corroborar esta ideia, aproveito-me dos mesmos textos de Platão em “A República”, onde Sócrates nos dá a causa da decadência social:

“Ao passo que, hoje, pelo seu comportamento, os governantes reduzem os governados a esta triste situação. E, no que diz respeito a eles próprios e aos seus descendentes, não é verdade que estes jovens são dissolutos, fracos para os exercícios físicos e intelectuais, indolentes e incapazes de resistir quer ao prazer, quer ao desgosto?”

“Que o pai se habitua a tratar o filho como seu igual e a temer os filhos dele. Que o filho se assemelha ao pai e não respeita nem teme os pais, porque quer ser livre.”

“Aqui tens o que acontece e outros pequenos abusos como estes: O mestre receia os discípulos e lisonjeia-os, os discípulos fazem pouco-caso dos mestres e dos pedagogos. De modo geral, os jovens imitam os mais velhos e disputam com eles em palavras e ações. Os idosos, por seu lado, sujeitam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de gentileza e petulância, imitando a juventude, com medo de serem considerados enfadonhos e despóticos.”

“E também descobrem essas regras que parecem de pouca importância e que os seus predecessores deixaram cair em desuso:  Por exemplo, as que ordenam aos jovens que respeitem o silêncio, quando convém, em presença dos anciãos; que os ajudem a sentar-se, que se levantem para lhes cederem o lugar, que rodeiem os pais de cuidados — e as que respeitam ao corte dos cabelos, às roupas, ao calçado, ao aspecto exterior do corpo e outras coisas semelhantes.”

Será que nossa civilização tem solução, ou teremos que cair como as antigas civilizações e nos reinventarmos? Sócrates tenta achar uma solução para aquela juventude da época:

“E daremos aos mais velhos a autoridade sobre os mais novos, com o direito de punir. E os jovens não tentarão, sem autorização dos magistrados, usar de violência para com os mais velhos, nem feri-los; também não os ofenderão de qualquer outra maneira. Pois dois guardas serão suficientes para os impedir: o medo e o respeito; o respeito, mostrando-lhes um pai na pessoa que querem ferir, o medo, fazendo-lhes compreender que os outros irão em socorro da vítima, estes como filhos, aqueles como irmãos ou pais.”

Fica aqui a última questão: os “mais velhos” são dignos de corrigir os “mais jovens”? Têm eles moral para dar exemplo e ética para guiar esta atual geração?

Paulo Maciel

11/06/2017