Paradigmas 3

Nesta mesma época, nas publicações do ReVision Journal, Ken Wilber, Karl Pribram, Marilyn Ferguson, Reneé Weber, Fritjof Capra, Stanley Kripner, entre outros, debateram interessantes temas ligados à ciência, filosofia e religião, no contexto dos novos paradigmas.

As novas concepções do universo trazem a idéia de que todas as teorias científicas são aproximações da verdadeira natureza da realidade; e cada teoria é válida em relação a uma certa faixa de fenômenos observados. Por que, então, a maioria dos cientistas continua ainda a projetar seus critérios de verdade para campos não concernentes ao seu saber? Quem nos traz a resposta é Popper, com o critério da indução:

 

A teoria de senso comum da indução é a teoria mais famosa, na forma de asserção de que “nada há em nossa inteligência que não haja entrado nela por meio dos sentidos”. Contudo, temos expectativas e fortemente acreditamos em certas regularidades (leis da natureza, teorias). Como podem ter surgido estas crenças? Por meio de observações repetidas feitas no passado.24

 

Para dar consistência ao seu pensamento, Popper usa os dois problemas de indução de Hume: um problema lógico e um problema psicológico. O problema lógico é: Somos justificados em raciocinar partindo de exemplos (repetidos), dos quais temos experiência, para outros exemplos (conclusões), dos quais não temos experiências? A resposta é: Não, por maior que seja o número de repetições. O problema psicológico é: Por que, não obstante, todas as pessoas sensatas esperam, e crêem que exemplos de que não têm experiências conformar-se-ão com aqueles que têm experiência? Isto é: Por que temos expectativas em que depositamos grande confiança? A resposta é: Por causa do “costume ou hábito”; isto é, porque somos condicionados pelas repetições e pelo mecanismo da associação de idéias, mecanismo sem o qual, dificilmente poderíamos sobreviver.

Estes critérios levaram Hume, segundo Popper, a transformar-se num céptico e num crente ao mesmo tempo: Um crente numa epistemologia irracionalista. A este respeito, Russel comenta na História da Filosofia Ocidental: “É importante descobrir se há alguma resposta a Hume dentro de uma filosofia que seja inteira ou principalmente empírica. Se não houver, não há diferença intelectual entre a sensatez e a demência. O lunático que acredita ser um ovo escaldado só será condenado com base em que pertence a uma minoria…”

Russel prossegue afirmando que se a indução for rejeitada, “qualquer tentativa para chegar a leis científicas gerais partindo de observações particulares é ilusória e o ceticismo de Hume é inevitável para um empírico”.25

Embora Popper conclua que “a idéia de indução por repetição seja um erro, uma espécie de ilusão de ótica”, ela é muito freqüentemente observada e leva ao que todos chamam de bom senso.

Hoje acredita-se que, embora os cientistas continuem criando teorias ou modelos novos para o universo, nenhum deles representa uma descrição mais completa e final dos fenômenos naturais, que os seus anteriores. E a ciência está chegando, ao que nos parece, mais uma vez ao limite de sua capacidade de explicar os fenômenos observados.

A Física teve que abandonar o paradigma newtoniano-cartesiano na Mecânica Quântica e na Astrofísica, como veremos no capítulo seguinte; mas em outros campos científicos esta visão ainda reina soberana. Na Medicina, Biologia e Bioquímica, a concepção do organismo como uma máquina constituída de partes separadas ainda é a base conceitual dominante (método reducionista). Na Psicologia, Sociologia e Pedagogia, a divisão cartesiana também aparece em seus métodos avaliativos e terapêuticos; estruturalistas e behavioristas criam teorias infindáveis que dissociam a mente e o organismo humanos. A Economia e a Política contemporâneas são totalmente reducionistas e fragmentárias, observando isoladamente o capital, o trabalho e o indivíduo, da sociedade em que se inserem.

Pasternak constata que existe atualmente “uma verdadeira subversão epistemológica, ligada ao desenvolvimento das novas teorias científicas que procuram apreender a inteligibilidade do Universo com a ajuda de instrumentos conceptuais exprimindo-se em termos de “desordem organizadora”, “complexidade”, “auto-organização” ou “caos”.26

Edgar Morin defende a idéia de uma “desordem organizadora”. Mas Paul Valéry já havia dito que: “Duas calamidades ameaçam o mundo; a ordem e a desordem”. Devemos, pois, conceber o universo através de uma relação complexa: ordem / desordem / interações / organização.

As teorias científicas não são o reflexo do real mas projeções do homem sobre o real. Diz Morin: “O nosso mundo faz parte da nossa visão do mundo, a qual faz parte do nosso mundo”.27

A este respeito, define Hawking:

 

Para falar sobre a natureza do universo e discutir questões tais como se ele tem um começo ou um fim, é preciso ter clareza do que é uma teoria científica. Numa visão mais simplista, a teoria é apenas um modelo do universo, ou uma parte restrita de seu todo; um conjunto de regras que referem quantidades do modelo a observações que possamos fazer. Ela existe apenas em nosso raciocínio e não apresenta qualquer outra realidade (seja lá o que isto signifique). Uma teoria é considerada boa quando satisfaz dois requisitos: descrever com precisão uma grande quantidade de observações, com base num modelo que contenha apenas poucos elementos arbitrários; e fazer previsões definidas quanto aos resultados das futuras observações. … Qualquer teoria física é sempre provisória, no sentido de que não passa de uma hipótese: não pode ser comprovada jamais. Não importa quantas vezes os resultados de experiências concordem com uma teoria, não se pode ter certeza de que, na próxima vez, o resultado não vá contradizê-la.28

 

E para demonstrar que este questionamento acerca do paradigma não é de exclusividade da epistemologia acadêmica, encontramos abaixo uma explicação acerca do pensamento dos feiticeiros mexicanos:

 

Os feiticeiros fazem com que vejamos que toda a natureza da realidade é diferente do que acreditamos que seja; isto é, do que nos ensinaram que seja. Intelectualmente, estamos dispostos a brincar com a idéia de que a cultura predetermina quem somos, como nos comportamos, o que estamos dispostos a saber, o que somos capazes de sentir. Mas não estamos dispostos a encarnar esta idéia, a aceitá-la como uma proposta concreta e prática. E o motivo é que não estamos dispostos a aceitar que a cultura também predetermina o que somos capazes de perceber. A feitiçaria nos faz perceber diferentes realidades, diferentes possibilidades, não só quanto ao mundo mas também quanto a nós mesmos, a tal ponto que não somos mais capazes de acreditar nem mesmo nas suposições mais sólidas sobre nós e nosso ambiente. Um feiticeiro não só tem a percepção  de diversas realidades, como também usa esse conhecimento em coisas práticas. Os feiticeiros sabem – não só intelectualmente, mas também na prática – que a realidade, ou o mundo como o conhecemos, consiste apenas em um acordo obtido de cada um de nós. Esse acordo pode desmoronar, já que é apenas um fenômeno social. E quando desmoronar, o mundo inteiro desmorona com ele. O mundo social define a percepção para nós em proporção à sua utilidade em nos guiar pela complexidade da experiência na vida quotidiana. O mundo social estabelece limites ao que percebemos, ao que somos capazes de perceber. Para um feiticeiro, a percepção pode ir além desses parâmetros combinados. Esses parâmetros são construídos e fortalecidos por palavras, linguagem, pensamento. Isto é, um acordo.29

 

Este texto resume brilhantemente todas as questões mais profundas da epistemologia atual, dos paradigmas científicos e do bom-senso humanos. No capítulo seguinte, veremos como a física quântica chegou a esta mesma conclusão dos antigos feiticeiros.

     

 

24 POPPER, K. Conhecimento Objetivo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1975, pp. 14-15

25 Ibid., p. 16.

26 PASTERNAK, G. P. Op. cit., p. 10.

27 MORIN, E. Caçador furtivo dos saberes. Capítulo 03 de PASTERNAK, G. P. Op. cit., p. 81-82.

28 HAWKING, S. W. Uma breve história do tempo. 28. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1988, p. 29

29 DONNER, F. Sonhos lúcidos. Rio de Janeiro: Record, 1993, pp. 172-173.

1 comentário

    • Inês em 3 de setembro de 2009 às 17:05
    • Responder

    Este livro eu consegui ler (Rs)…o primeiro capítulo não nos dá a idéia de todos os meandros da medicina, quando no início o homem era visto como um todo, matéria e espírito e depois passou a ser visto como pedaços, de uma forma tão triste que a imagem que me vem é a de um açougue. Quanto às pesquisas científicas, a forma como a maioria dos cientistas se comportam com tanta arrogância é no mínimo lamentável. Dizem que o homem teme aquilo que desconhece. Os cientistas renegam aquilo que desonhecem. As experiências feitas para provar a eficácia da homeopatia na cura das doenças foi muito interessante pois os cientistas não puderam provar usando seus métodos, porém tiveram que admitir,( o que deve ter sido muito difícel para seus egos) que a homeopatia realmente cura. Conclusão deles:

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