Existe uma questão muito séria nos tratamentos médicos chamada de “risco x benefício“: qualquer droga deve trazer mais benefícios do que riscos! E embora as vacinas para a Covid-19 sejam novas e tenham tecnologias inovadoras, os benefícios ainda superam os riscos, já que são aplicadas em escalas mundiais.
Vamos examinar alguns detalhes técnicos e sociais das vacinas:
- Idealizada pelo médico Edward Jenner, a primeira vacina foi criada no século XVIII (14 de maio de 1796), quando a varíola era a maior ameaça da humanidade. Portanto, temos 225 anos de experiência com vacinas.
2. As vacinas “apresentam” ao nosso corpo alguns agentes (bacterianos ou virais), inativados ou vivos atenuados (“antígenos”), que fazem com que nosso organismo produza os “anticorpos” contra os agentes nocivos. Ao entrar em contato com a doença de verdade o sistema imune produz os anticorpos que já conhece, pois já tem uma ‘memória’ imunológica.
3. As vacinas autorizadas tradicionalmente usam diferentes metodologias, tais como: bactéria viva atenuada (Tuberculose/BCG); polivírus vivo atenuado (Poliomielite/VOP); vírus mortos (Influenza/gripe).
4. Já as vacinas para a Covid-19 autorizadas no Brasil também tem várias tecnologias, algumas bem inovadoras:
CoronaVac: Utiliza a tecnologia de vírus inativado (morto), uma técnica consolidada há anos e amplamente estudada.
AstraZeneca: A tecnologia empregada é o uso do chamado vetor viral. O adenovírus, que infecta chimpanzés, é manipulado geneticamente para que seja inserido o gene da proteína “Spike” (proteína “S”) do Sars-CoV-2.
Pfizer: Se baseia na tecnologia de RNA mensageiro, ou RNAm. O RNA mensageiro sintético dá as instruções ao organismo para a produção de proteínas encontradas na superfície do novo coronavírus, que estimulam a resposta do sistema imune. Janssen: Se utiliza da tecnologia de vetor viral, baseado em um tipo específico de adenovírus que foi geneticamente modificado para não se replicar em humanos.
5. Devido ao crescente aumento dos contaminados e do número de mortos em 2020 a ANVISA foi pressionada para autorizar estas vacinas e no final do ano as primeiras vacinas foram liberadas em “caráter emergencial” pela Resolução RDC nº 444, de 10 de dezembro de 2020, que “estabelece a autorização temporária de uso emergencial, em caráter experimental, de vacinas Covid-19 para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do surto do novo Coronavírus (SARS-CoV2)”.
Porque a liberação foi feita em “caráter experimental”? Apenas para “o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do surto do novo Coronavírus”.
Precisamos entender que o processo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de uma nova vacina é constituído de diversas etapas tratando-se, portanto, de um processo demorado, de alto investimento e associado a riscos elevados, particularmente quando se tratam das doenças negligenciadas.
A primeira etapa: corresponde à pesquisa básica e é onde novas propostas de vacinas são identificadas. Segunda etapa: realização dos testes pré-clínicos (in vitro e/ou in vivo) que têm por objetivo demonstrar a segurança e o potencial imunogênico da vacina. Terceira etapa: ensaios clínicos, que é a mais longa e a mais cara do processo de P&D. Os estudos clínicos de uma nova vacina são classificados em estudos de Fase I, Fase II, Fase III e Fase IV.
Fase I: É o primeiro estudo a ser realizado em seres humanos e tem por objetivo principal demonstrar a segurança da vacina. São pequenos grupos de participantes de pesquisa (20-100) e dura vários meses.
Fase II: Tem por objetivo estabelecer a sua imunogenicidade. Usa um número limitado de participantes e a pesquisa dura de vários meses até 2 anos. Busca investigar sua eficácia, definir a dose eficaz e verificar sua segurança.
Fase III: É a última fase de estudo antes da obtenção do registro sanitário e tem por objetivo demonstrar a sua segurança, eficácia comparativa e o risco/benefício. Esta fase usa grandes e variados grupos de participantes de pesquisa e dura de 1 a 4 anos. Somente após a finalização do estudo de fase III e obtenção do registro sanitário é que a nova vacina poderá ser disponibilizada para a população.
Fase IV: Vacina disponibilizada para a população. São usados milhares de participantes de pesquisa e dura vários anos. É a fase da “Farmacovigilância” e visa promover experiências com o produto e avaliar novas indicações para os mesmos.
Como vimos, pelo tempo deveríamos ainda estar na fase II, mas pela necessidade da pandemia aceleramos o processo até a fase III, em caráter experimental e emergencial, onde também estamos aprendendo sobre sua segurança, eficácia comparativa e o risco/benefício.
Nesta questão de risco/benefício não existe remédio 100% seguro que não cause nenhum efeito colateral ou não possa ser fatal para alguém. Até a famosa Dipirona tem seus riscos: Síndrome de Kounis (engloba infarto alérgico e angina alérgica), anemia aplástica, agranulocitose e pancitopenia, incluindo casos fatais, leucopenia e trombocitopenia. Se lermos as bulas dos medicamentos seriamente, raramente teríamos coragem de toma-los!
Tem-se falado muito nas redes sociais de casos fatais correlacionados com as vacinas, principalmente infartos, tromboses e reações autoimunes.
Além dos efeitos colaterais possíveis à maioria das vacinas (cefaleia, fadiga, dor local, náusea, diarreia, mialgia, calafrios, perda de apetite, tosse, artralgia, prurido, rinorreia, congestão nasal, eritema, inchaço, enduração, prurido, vômito, febre, exantema, reação alérgica, dor orofaríngea, odinofagia, espirros, astenia, tontura, dor abdominal, sonolência, mal estar, rubor, dor nas extremidades, dor abdominal superior, dor nas costas, vertigem, dispneia, edema, hematoma, etc.), as vacinas que chamaram muita atenção pelos efeitos colaterais foram:
AstraZeneca: Uma combinação muito rara e grave de trombose e trombocitopenia, incluindo síndrome de trombose com trombocitopenia (TTS) em alguns casos acompanhada de hemorragia, incluindo trombose venosa em locais incomuns, como trombose dos seios venosos cerebrais, trombose da veia esplênica e trombose arterial, concomitante à trombocitopenia. A maioria dos eventos ocorreu nos primeiros 21 dias após a vacinação e alguns tiveram um desfecho fatal. As taxas de notificação após a segunda dose foram menores em comparação com as taxas de notificação após a primeira dose.
Não foram identificados fatores de risco específicos para tromboembolismo em combinação com trombocitopenia. No entanto, os benefícios e riscos da vacinação devem ser considerados em pacientes com história prévia de trombose, bem como em pacientes com doenças autoimunes, incluindo trombocitopenia imune, visto que casos muito raros (menos de 1 em 100.000) ocorreram nesses pacientes.
Eventos neurológicos: Casos muito raros de Síndrome de Guillain-Barré (SGB) foram reportados após a aplicação da vacina covid-19 (recombinante).
Pfizer: Casos muito raros de miocardite e pericardite foram relatados após a vacinação. Normalmente, os casos ocorreram com mais frequência em homens mais jovens e após a segunda dose da vacina e em até 14 dias após a vacinação. Geralmente são casos leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso.
Finalmente, chegamos aqui à conclusão do risco/benefício das vacinas:
“Foi estabelecida uma ligação entre a vacina AstraZeneca e um efeito colateral muito raro, mas grave, chamado trombose em combinação com trombocitopenia. Há uma chance muito baixa desse efeito colateral, que pode ocorrer em cerca de 4-6 pessoas em cada milhão após a vacinação.”
“Para a vacina AstraZeneca a Síndrome de Guillain-Barré foi relatada muito raramente dentro de 6 semanas após a primeira dose, com o risco de aproximadamente 5-6 casos extras de SGB por milhão de doses.”
“Nos EUA, as taxas relatadas de miocardite e pericardite em homens com menos de 30 anos após a vacina de RNAm da Pfizer foram de 10 casos por milhão após as primeiras doses e 67 casos por milhão após as segundas doses.”
Aí podemos fazer uma estimativa de casos no Brasil pelo número de pessoas vacinadas:
Pessoas totalmente vacinadas em 16/01/2022: 145.459.361 (68,8% da população), com 621.233 mortes pela Covid-19.
Risco de trombose em combinação com trombocitopenia pela AstraZeneca: 581 a 872 pessoas;
Risco da Síndrome de Guillain-Barré pela AstraZeneca: 727 a 872 pessoas;
Risco de miocardite e pericardite em homens jovens pela Pfizer: 1 450 na primeira dose e 9 745 na segunda dose (lembrando que a maioria dos casos relatados foi leve e de rápida recuperação).
Conclusão: Na questão risco-benefício das vacinas para a Covid-19, o número de mortes possíveis é bem menor que o número de mortos pela pandemia, o que acaba justificando o seu uso, ainda mais em um momento de pandemia como o que estamos vivendo.
P.S.: Esta não é a minha opinião pessoal, mas da Ciência e da Indústria farmacêutica!
Dr. Paulo Maciel
16/01/2022
Fontes:
[https://butantan.gov.br/pesquisa/ensaios-clinicos]
[https://www.inca.gov.br/pesquisa/ensaios-clinicos/fases-desenvolvimento-um-novo-medicamento]
[https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/safety/myocarditis.html]
[https://www.health.gov.au/initiatives-and-programs/covid-19-vaccines/advice-for-providers/clinical-guidance/myocarditis-pericarditis]
[https://www.gov.uk/government/publications/covid-19-vaccination-guillain-barre-syndrome-information-for-healthcare-professionals/information-for-healthcare-professionals-on-guillain-barre-syndrome-gbs-following-covid-19-vaccination#:~:text=100%2C000%20per%20year.-,For%20the%20AZ%20vaccine%2C%20GBS%20has%20very%20rarely%20been%20reported,of%20GBS%20per%20million%20doses.]
[https://www.health.gov.au/initiatives-and-programs/covid-19-vaccines/is-it-true/is-it-true-does-the-vaxzevria-astrazeneca-covid-19-vaccine-cause-blood-clots#:~:text=There%20has%20been%20a%20link,every%20million%20after%20being%20vaccinated.]