Ciência Topa Tudo

CIÊNCIA TOPA TUDO [1]

Entenda como as pesquisas conseguem provar qualquer coisa.

Em 2003 um grupo de cientistas italianos (de onde mais?) constatou que comer pizza poderia prevenir alguns tipos de câncer do sistema digestivo.

Para chegar a essa conclusão, examinaram 3.315 pessoas com a doença e as contrastaram com outros 5 mil indivíduos que não tinham câncer. Entre os saudáveis havia muito mais pessoas que comiam pizza do que no grupo dos doentes. De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Quatro anos depois, um novo estudo, feito por cientistas chineses, constatou que uma dieta rica em proteína animal (que inclui a boa e velha mussarela das pizzas) aumenta em até 50% o risco de câncer no sistema digestivo. Para chegar a essa conclusão, pegaram 1.204 mulheres com o tumor e as compararam com 1.212 outras saudáveis. As saudáveis comiam menos proteína animal (ou seja, queijo) do que as doentes. Adivi­nhe o que fizeram então os chineses? De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Mas e aí, aquela pizzada evita ou estimula o câncer? O que esses estudos nos dizem sobre o hábito de comer pizza?

Na realidade, os estudos não nos ensi­nam nada sobre pizza mas muito sobre ciência. Quem acompanha com frequência o noticiário já percebeu que nem sempre dá para botar fé nos resutados científicos que pululam na mídia. Um dia, comer ovo protege o coração; no dia seguinte, aumenta o risco de enfarte. Aspirina uma hora ajuda a mitigar o mal de Alzheimer; na outra, não faz efeito. A ciência parece ter a inexplicável característica de conseguir provar qualquer coisa. Mas como isso pode acontecer?

Números e números

Apesar de tantos resultados contraditórios, é difícil calcular uma proporção de erros para pesquisas científicas. Uma das tínicas tentativas feitas até hoje é um estudo da Universidade Tufts, de Boston, que afirma que mais de 50% dos resultados que nos são apresentados diariamente pelos cientistas estão errados. Para o autor do trabalho, Iohn Ioannidis, até mesmo praticando a “boa ciência” (ou seja, baseada em premissas razoáveis e protocolos confiáveis), é possível obter um resultado que seja cientificamente defensável, mas absolutamente falso. E ele tem fortes motivos para acreditar nisso.

Fazer ciência significa elaborar uma hipótese e executar um experimento para sustentá-la. É aí que está o primeiro gancho: tudo que um cientista imaginar pode ser estudado. Para cada trabalho que comprova, vamos dizer…, que comer ameixa ajuda no funcionamento do intestino, pode haver dezenas de outros provando que ameixas previnem resfriados ou curam dores nas costas, por exemplo. “O problema básico é que há muito mais hipóteses falsas no mundo do que verdadeiras. Assim, se você testar todas as hipóteses que surgirem na sua cabeça, a maioria das que parecerem verdadeiras será na verdade falsa”, diz Alex Tabarrok, economista da Universidade George Mason, no Canadá.

Para testar esses milhões de hipóteses possíveis, os cientistas então se munem de amostras enormes para extrair resul­tados relevantes. “Amostras maiores são melhores. Mas nem sempre resolvem o problema”, afirma Tabarrok. É o caso dos estudos das pizzas. Cada um analisou milha­res de pessoas – e ainda assim resultaram em conclusões opostas. Ocorre que, por melhores que sejam as amostras, às vezes elas tendem a confirmar hipóteses falsas.

Segundo análises estatísticas, erros assim ocorrem em mais ou menos 5% dos casos. É algo parecido com o que acontece com as pesquisas de intenção de voto. Costumam acertar na mosca – mas nem sempre.

Não é difícil entender os perigos armados por correlações estatísticas. O método é arriscado para chegar a conclusões defini­tivas. Afinal, a correlação estatística (que analisa dois fatores distintos como “mais pizza/menos câncer”) pode ser explicada por alguma outra coisa que o estudo não considerou. Isso aconteceu em 2007, quando uma pesquisa da Universidade Harvard, nos EUA, relacionou o consumo de soja com infertilidade masculina. O dado deixou milhares de homens com medo de tofu, mas poucos prestaram atenção num detalhe. Os voluntários do estudo (que, aliás, eram somente 99) foram angariados numa clínica de reprodução. Ou seja, provavelmente já tinham problemas de fertilidade – indepen­dentemente do consumo de soja.

Ciência best seller

A coisa só piora quando os cientistas preci­sam justificar o financiamento às suas linhas de pesquisa. O que acontece, então, é que eles se concentram sempre nos mesmos tópicos quentes. É o caso do estudo das células-tronco ou de análises de risco de doenças com base na genética: são assuntos que estão na moda e precisam lutar entre si por um espaço ao sol. É aí que entra o fantasma do hype, o gosto de revistas por publicar resultados bombásticos, mesmo que não sejam os mais precisos (ou você já viu uma pesquisa anunciando que algo não causa alguma doença?). Ultimamente, a situação ficou tão crítica que a Nature, revista científica mais prestigiada do planeta, estabeleceu um canal para pesquisadores apontarem se há algo hype nos artigos que andam publicando. Tanta preocupação se justifica. O estudo de Ioannidis, o que afir­ma que a maioria das pesquisas está erra­da, acompanhou 49 trabalhos que foram publicados nas mais importantes revistas científicas do mundo – e mostrou que um terço deles foi desmentido em poucos anos. Ou seja, tem gente publicando resultados bombásticos demais – o que é bom para os negócios e péssimo para a ciência.

O que também determina a publicação de uma pesquisa é o sistema de peer-review (“revisão por pares”), em que um trabalho só recebe a chancela de uma revista científica, depois que outros cientistas julgam se tratar de boa ciência. Quem conhece bem esse sistema é o físico português João Magueijo, do Imperial College, de Londres. Ele tentou propor uma teoria em que a velocidade da luz não fosse constante – uma idéia que contrasta com a Teoria da Relatividade de Einstein. Resultado: todos seus artigos foram recusados. “Qualquer idéia muito nova tem um problema já no início”, diz Magueijo. Para ele, os grandes papas da ciência, que julgam os novos artigos, costumam rejeitar propostas diferentes do status quo porque passaram a vida se dedicando a noções consagradas. “Sim, existem problemas no peer-review”, diz Henry Gee, editor da Nature. “Mas, num todo, ainda funciona. Afinal, quem dá o parecer também é autor, e espera que seu próximo estudo seja tratado com justiça. Por isso, tenderá a ser justo.” Ainda assim, se não houvesse falhas, como explicar grandes fraudes, como a do sul­coreano Woo-suk Hwang, que em 2004 disse ter clonado humanos?

Eis que a ciência não é aquele conjunto de verdades que gostaríamos que fosse. No fim das contas, avanços são inegáveis. Mas; quando os cientistas estão ainda testando hipóteses, o processo é muito mais tor­tuoso do que se imagina. Só não podemos desprezar o valor da pesquisa. Até mesmo trabalhos pouco conclusivos são impor­tantes. “Alguns dos resultados de baixa credibilidade podem levar a novos modos de pensar. Gostaria apenas que não tivéssemos vergonha de dizer ‘encontramos algo muito interessante, mas que tem apenas 1% de probabilidade de ser verdadeiro’”, diz Ioannidis. Aí, quem sabe, não teríamos de quebrar a cabeça para saber se o delicioso ovo da página anterior faz bem ou maL.

Exemplos de paradoxos da pesquisa científica

Um exemplo interessante sobre como as pesquisas científicas encontram resultados diferentes dependendo das variáveis utilizadas podemos ver em dois textos publicados pela Revista Men’s Health Brasil em outubro de 2008 a respeito de alimentação e câncer:

Não deixe sua dieta refém dos mitos da nutrição [2]

MITO 3

“Carne vermelha causa câncer”

A origem: em um estudo de 1986, pesquisadores japoneses detectaram câncer se desenvolvendo em ratos que eram alimentados com amino heterocíclico, composto gerado na carne quando exposta por muito tempo a fogo alto. Desde então, alguns estudos com a população têm sugerido um elo importante entre carne e câncer.

O que a ciência realmente comprova: nunca um estudo encontrou uma relação direta de causa-efeito entre consumo de carne vermelha e câncer. Em relação às pesquisas com a população, elas não são conclusivas. Isso porque se baseiam em pesquisas sobre os hábitos alimentares. Esses números são mastigados para chegar a tendências de consumo, e não às causas.

A conclusão: não aposente a grelha. Os amantes de carne apreensivos em relação aos supostos riscos não precisam evitar a carne vermelha. Simplesmente elimine a parte mais queimada ou torrada da carne. E inclua proteínas de outras fontes, como frango e peixe, na sua alimentação.

Conheça os problemas estomacais mais comuns e saiba como jogá-los para escanteio [3]

Pode se preocupar: entre os cinco tipos de câncer que mais matam homens no Brasil, dois acometem o sistema gastrointestinal, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca): o de estômago e o de cólon. A origem de ambos está ligada a uma dieta rica em proteínas e gorduras animais, pobre em fibras e vitaminas A, C e E e exagerada no sal. “No caso do câncer de estômago, também pode haver relação com a bactéria H. pylori“, completa o oncologista Benedito Rossi, de São Paulo.

O câncer de cólon, apesar de ter possível ligação com predisposições genéticas, felizmente tem uma característica diferente: um rastreamento detecta seus precursores antes de eles se tornarem malignos. E o atual padrão ouro de rastreamento é a colonoscopia, procedimento no qual um tubo flexível com câmeraé introduzido pelo ânus até o cólon. “Todo homem deve fazer o procedimento, uma vez a cada dez anos, a partir dos 50”, recomenda Rossi. “Se tiver antecedentes na família, a partir dos 35.”

Regra básica: evite alimentos embutidos e processados. A principal causa do câncer de estômago e principalmente de cólon tem relação com esses alimentos: um estudo com 150 mil adultos acompanhados por uma década publicado no Journal of the American Medical Association descobriu que aqueles que comem mais carne processada, vermelha e produtos embutidos têm um risco 50% maior de desenvolver câncer de cólon do que os que optam por peixes e aves. “Os corantes e conservantes usados são elementos potencialmente cancerígenos”, justifica.

Vá nos frescos Frutas, verduras e legumes são poderosos aliados nessa luta. Afinal, são ricos em fibras, nutrientes que melhoram o funcionamento do aparelho digestivo. E coma castanha-do-pará. Contém selênio, outra substância que protege contra o câncer de cólon.

Testes sobre o câncer se baseiam em métodos errados, diz estudo [4]

Mais de um terço dos testes clínicos sobre o câncer nos Estados Unidos se basearam em métodos estatísticos errôneos, segundo estudo publicado na terça-feira (25) e que examinou 75 artigos divulgados em 41 revistas médicas de 2002 a 2006.

Os resultados da pesquisa fazem pensar que determinados testes clínicos podem ter concluído de forma errada que alguns tratamentos ou ações preventivas contra o câncer eram eficazes, destacaram os autores da pesquisa, publicada na versão on-line do “Journal of the National Cancer Institute”.

De acordo com a pesquisa, 26 destes testes clínicos, ou 35% do total, contêm análises estatísticas que cientistas consideram inadequados para avaliar os efeitos de tratamentos ou intervenções cirúrgicas estudadas.

Os especialistas determinaram que 88% dos estudos recorriam a uma combinação de métodos adequados e inadequados e nove artigos não estavam respaldados em dados suficientes para poder julgar se os métodos analíticos eram aceitáveis ou não.

Exagero

“Não podemos dizer especificamente que um destes estudos em particular é falso, mas podemos dizer que os métodos de análises utilizados em vários deles permitem pensar que alguns provavelmente exageraram a importância de seus resultados”, escreveu o médico David Murray, professor de Epidemiologia da Universidade de Ohio, responsável pelo estudo.

Geralmente, em ciência, considera-se aceitável uma margem de erro de 5%, mas, se forem utilizados maus métodos de análise neste tipo de estudo, o risco de equivocar-se é de 50%, prosseguiu Murray observando que “isto não faz avançar a ciência” e desperdiça recursos.

Segundo Murray, é preciso tornar a comunidade científica “consciente da necessidade de prestar atenção a este tipo de problema de metodologia”.

Destacou, entretanto, que a utilização destes métodos errôneos de análise não é feita com má intenção e que não busca dirigir os resultados.

[1] Revista Superinteressante, Edição 268 – Ago/2009.

[2]Por: Alan Aragon e Mariliz Pereira Jorge – Publicado em 27/10/2008

[http://menshealth.abril.com.br/nutricao/conteudo_395305.shtml]

[3]Por: Erin Hobday Colaborou Gustavo Simon Publicado em 24/10/2008 [http://menshealth.abril.com.br/saude/conteudo_394549.shtml]

[4] da France Presse, em Washington Publicado em 26/03/2008

[http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u385764.shtml]

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